segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Carta Aberta a Sua Excelência o Sr Presidente da Câmara Municipal de Valongo

Alfena, 15 de Agosto de 2010

CARTA ABERTA AO SENHOR PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DE VALONGO
(a propósito da Protecção Civil Municipal e também da “época de incêndios”)

Senhor Presidente,
Todos sabemos que a nossa Câmara Municipal tem sido por mais de uma vez classificada positivamente pelo “trabalho de excelência” desenvolvido nalgumas frentes do trabalho autárquico e ficamos felizes por isso.
Longe de considerar imerecida essa apreciação, não deixo no entanto de a contextualizar e sobretudo de não fazer a partir dela uma generalização festiva que me impeça de ter em conta os inúmeros - e aqui fico triste por isso – aspectos da gestão da nossa autarquia que nos colocam nos antípodas da modernidade e da excelência.
Perguntará Vossa Excelência por que motivo me arrogo – eu que sou um modesto cidadão sem nenhum cargo a nível do Poder Local ou sem qualquer ligação formal a algum Partido politico – o direito de lhe dirigir esta “carta aberta”.
Admito até, que lhe possa ocorrer algum comentário do género “já a formiga tem catarro”!
Pois bem: Um dos motivos, ou melhor, o MOTIVO que me leva a fazê-lo, é constatar a completa inacção de uma frente de trabalho tão importante como é a da Protecção Civil Municipal.
Se mais razões não houvesse, temos aí os incêndios – ou a “época” dos mesmos, como alguns preferem dizer – para justificar este meu “atrevimento”!
E desde logo, para me antecipar a alguma eventual “reacção de defesa” da parte de Vossa Excelência argumentando que “temos uma estrutura de Protecção Civil Municipal devidamente montada (no papel até é verdade) liderada por um Comandante Operacional designado há pouco tempo” (o que também corresponde à verdade) sempre lhe direi que os Serviços Camarários, os Departamentos, as estruturas Municipais existentes, não valem por eles mesmos mas sim pelo resultado prático do seu trabalho ao serviço das populações e neste campo específico da Protecção Civil Municipal, muito pouco existe em termos de trabalho concreto.
Mas claro que Vossa Excelência sempre pode contraditar-me, avançando com exemplos concretos da actuação dos referidos Serviços de Protecção Civil Municipal nos últimos meses – antes do início da já referida “época de incêndios”:
- Quantas reuniões do Órgão em causa desde Janeiro de 2010;
- Quantas acções de sensibilização junto das populações das Freguesias;
- Quantas acções de fiscalização no terreno;
- Quantas intimações enviadas no último ano a proprietários de terrenos no sentido de procederem à desmatação, desbaste de árvores, limpeza dos mesmos;
- Quantas coimas aplicadas no último ano por incumprimento das referidas intimações;
- Quantos contratos celebrados no último ano com desempregados ou beneficiários do RSI, especificamente virados para tarefas de vigilância de incêndios e/ou limpeza de terrenos em substituição dos proprietários incumpridores;
- Quantas acções de formação específica realizadas no último ano destinadas aos agentes da Protecção Civil Municipal, comissões de moradores ou organizações similares;
Evidentemente que todos sabemos – os mais atentos em relação a estas questões sabem-no seguramente – que a prevenção, em si mesma não é um fim mas uma tendência: não evita os acidentes ou as catástrofes, mas antecipando as suas possíveis causas e as eventuais consequências, pode minimizar os danos e perdas deles resultantes e é isso que em Valongo não tem sido feito nos últimos anos – pelo menos com suficiente visibilidade e com resultados palpáveis...
Quererá seguramente Vossa Excelência que lhe dê exemplos concretos do muito que deveria ter sido feito e não foi...
Pois bem, essa é a tarefa mais fácil que me pode pedir:
Começo pelo último incêndio no Parque Industrial de Campo e que foi notícia também, por um acidente colateral resultante da negligência de uma empresa de reciclagem de metais que provocou alguns feridos com necessidade de internamento em consequência de uma fuga de cloro de uma garrafa existente no monte de sucatas da mesma empresa.
Depois, situando-me apenas ao nível de Alfena onde resido, convido Vossa Excelência a dar uma volta pelos montes circundantes do novo Hospital Privado de Alfena, por vários locais do lugar do Lombêlho, pela zona da Ferraria, pelos montes que ladeiam a estrada que conduz de Cabeda a Valongo (peço desculpa pela minha ignorância em relação ao nome da estrada) enfim por tantos outros lugares e lugarejos da nossa Vila, alguns até, já alvo de notificações da Câmara com mais de dois anos mas sem resultados práticos para as populações afectadas (Rua da Fidalga e imediações), etc., etc. – e muitos mais etcetera.
Ao contrário do que tantas vezes ouvimos nestes últimos dias em que as notícias sobre incêndios abundam e inundam os noticiários das televisões, o problema não reside tanto nas condições climatéricas – ao que parece verdadeiramente excepcionais – nem tampouco nos meios de combate envolvidos, que apesar dos já apontados constrangimentos orçamentais, têm vindo a beneficiar de enormes investimentos no sentido da sua modernização e aumento da sua capacidade e qualidade de resposta. Menos ainda num eventual acréscimo dos casos de natureza criminosa como também parece que tem acontecido por força de alguma permissividade do nosso sistema de Justiça.
Há 40 anos atrás, em idênticas condições climatéricas e apesar de tudo, com menos vigilância do que actualmente, a tarefa de um qualquer incendiário estaria seguramente votada ao fracasso. E sabe Vossa Excelência porquê? Sabe de certeza, mas mesmo assim eu vou dizer-lho:
Porque não havia combustível suficiente para as ignições e muito menos, para as alimentar e potenciar!
Os proprietários – por necessidade própria – limpavam as suas propriedades de tipo florestal, não fazendo então sentido, por razões óbvias, qualquer envolvimento das autarquias neste problema. Hoje em dia ninguém se dá ao trabalho – a não ser que o obriguem – de aparar pinheiros ou eucaliptos, de apanhar a caruma ou as folhas, de cortar o mato para a cama dos animais e muito menos, de vigiar os respectivos montes para que ninguém lhes chegue o fogo – antigamente vigiavam-nos para que não lhes roubassem o mato, a caruma, as folhas e os ramos das árvores!
Estou à vontade, apesar de me considerar uma modesta “formiga com catarro”, para questionar a minha Autarquia na pessoa de Vossa Excelência, sobre este mesmo assunto, dado já o ter feito de forma pessoal noutras ocasiões, a última das quais aconteceu na anterior reunião pública de Câmara.
Vossa Excelência pode ainda invocar “em sua defesa” o actual contexto de profunda crise financeira e económica do País que constrange de forma significativa a disponibilidade de recursos para realizar acções como as que referi anteriormente. Mas se é verdade que, como o Povo costuma dizer, “não se fazem omeletas sem ovos”, também não é menos verdade que as “omeletas” podem ser mais ou menos ricas em componentes e em quantidade de ovos, sendo que é sempre preferível “pôr alguma coisa na mesa” do que não pôr nada por não ter ingredientes suficientes para confeccionar iguarias demasiado elaboradas.
E depois, nem todo o trabalho a fazer neste campo específico da Protecção Civil, tem necessariamente de ser remunerado. Valongo tem seguramente muita gente capaz, tecnicamente preparada e com desprendimento suficiente em relação às compensações materiais, para contribuir com o seu trabalho em prole do bem comum. Assim os nossos autarcas o queiram o solicitem e sejam capazes de fazer a sua parte: promover, organizar e congregar os diversos contributos disponibilizados.
Termino como comecei: Tal como os bens materiais, as Organizações só têm verdadeira importância quando esta pode ser traduzida em valor de uso, utilidade prática e quando acrescentam alguma coisa em termos de qualidade de vida das pessoas.
Vai sendo tempo de começarmos a sentir no terreno - e não apenas no papel - o nível de excelência da nossa Autarquia, no que à Protecção Civil diz respeito.
Estou certo de que contarei com a atenção de Vossa Excelência relativamente ao que acabo de escrever. Bastará para tanto que não se deixe condicionar por qualquer eventual parti pris...
Mas se apesar de tudo esta minha expectativa não se concretizar, isto é, se Vossa Excelência entender que não deve responder a uma carta de um simples cidadão - ainda por cima "aberta" - posso sempre transformá-la num Requerimento que lhe farei chegar pela via própria e ao qual responderá também, da forma habitual.Tão simples quanto isso!
Com toda a consideração, sou
Atentamente,

(Celestino Marques Neves – Alfena

Comentário do proprietário do blogue:
De uma vez por todas, os poderes instituidos, nomeadamente os autárquicos, deverão entender que foram eleitos para defender os "interesses de todos os munícipes" e não aquilo que entendem ser os "interesses do município".
De uma vez por todas deverão entender que foram eleitos para gerir com os munícipes e não contra os munícipes. E que todos não somos demais para o fazer!
J S P

2 comentários:

Celestino Neves disse...

Obrigado caro amigo, pelo eco que dá à minha "carta aberta" neste seu excelente Blog...
Vamos continuar a incomodar os espíritos demasiado acomodados dos nossos autarcas - para que a saga não continue!
Já agora e a propósito do que diz sobre os criminosos que têm posto o País em chamas, estamos de acordo que eles - e quem os deixa à solta mesmo quando a polícia os consegue prender - são parte significativa do problema...
Mas se num mero exercício académico tentássemos recuar no tempo até 40 anos atrás, com as mesmas condições climatéricas e com o mesmo número de criminosos, a verdade é que o fogo tinha muito menos hipóteses de singrar: Faltava-lhe o elemento fundamental que é o combustível!
Quanto a quem o deve limpar... Concordo que essa tarefa não é economicamente viável aos já depauperados proprietários - como também não o é a recuperação de milhares e milhares de prédios urbanos degradados.
Mas lá que alguém o tem de fazer, isso é que tem - antes que isto fique reduzido a cinzas e a escombros...
Um grande abraço
CN

J Silva Pereira disse...

Não posso deixar de reconhecer que tem razão, Caro Sr. Celestino Neves.
Há, efectivamente, que encontrar uma solução para a limpeza da floresta. Já sugeri duas hipóteses: o seguro (parte do prémio destinar-se-ia a esse fim) e a assunção da responsabilidade por parte da autarquia, entendida a atitude como parte da segurança da colectividade.
Um abraço
JSP