sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Democracia Participativa

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Todos estes factores chamam-nos a refazer profundamente as práticas democráticas que unicamente podem ser operadas em direcção a uma verdadeira democracia participativa. Numa sociedade que tende a tornar-se cada vez mais “ilegível”, isto tem como principal vantagem eliminar ou corrigir as distorções devidas à representação, assegurar uma maior conformidade com a lei e com a vontade geral, e ser fundadora de uma legitimidade sem a qual a legalidade institucional não é mais que um simulacro.
 Não é ao nível das grandes instituições colectivas (partidos, sindicatos, igrejas, exército, escolas, etc.) – que hoje se encontram todas, em maior ou menor medida, em crise e que não podem desempenhar, desta forma, seu papel tradicional de integração e de intermediação social – que será possível recriar a dita cidadania activa. O controle do poder não pode ser, tão-pouco, património exclusivo dos partidos políticos, cuja actividade, frequentemente, se torna clientelismo. A democracia participativa não pode ser, hoje em dia, mais do que uma democracia de base.

A dita democracia de base não tem por finalidade generalizar a discussão a todos os níveis, mas determinar, com a participação do maior número, os novos procedimentos de decisão conformes com suas próprias exigências, como as que derivam das aspirações dos cidadãos. Tão-pouco poderia tornar-se uma simples oposição entre a “sociedade civil” e a esfera pública, o que estenderia ainda mais o domínio do privado e abandonaria a iniciativa política às formas obsoletas de poder. Trata-se, ao contrário, de permitir aos indivíduos que se ponham a prova, enquanto cidadãos, e não como membros da esfera privada, favorecendo ainda mais que se torne possível a eclosão e a multiplicação de novos espaços e a iniciativa e responsabilidade públicas.

O procedimento do referendo (que resulta da decisão dos governos ou da iniciativa popular, seja o referendo facultativo ou obrigatório) é somente uma forma de democracia dentre outras – e cujo alcance talvez se tenha super-estimado. Assinalemos, de uma vez, que o principio político da democracia não é o de que a maioria decida, mas que o povo é soberano. O voto não é por si mesmo, mais do que um meio técnico para consultar e revelar a opinião. Isto significa que a democracia é um princípio político que não poderia confundir-se com os meios dos quais se utiliza e que tão-pouco poderia ser produto de uma ideia puramente aritmética ou quantitativa. A qualidade de cidadão não se esgota no voto. Consiste, melhor, em colocar em prática todos os métodos que lhe permitam manifestar ou rechaçar o consentimento, expressar o seu repúdio ou a sua aprovação. Convém, assim, explorar sistematicamente todas as formas possíveis de participação activa da vida pública, que são também formas de responsabilidade e de autonomia por si, já que a vida pública condiciona a existência quotidiana de todos.

Mas a democracia participativa não possui, somente, um alcance político; tem também um social. Ao favorecer as relações de reciprocidade, ao permitir a recriação de um laço social, podem-se reconstituir as solidariedades orgânicas, debitadas hoje em dia, refazer um tecido social desagregado pelo advento do individualismo e a saída antecipada ao sistema da competição e do interesse. Em tanto quanto produtora da sociedade elementar, a democracia participativa anda de mãos dadas com o renascimento das comunidades vivas, da recriação das solidariedades de vizinhança, de bairro, dos locais de trabalho, etc..

Esta concepção participativa da democracia opõe-se, claramente, à legitimação liberal da apatia política, que indirectamente encoraja a abstenção e acaba por ser um reino de gestores, de especialistas e de técnicos. A democracia, afinal de contas, descansa menos sobre a forma de governo propriamente dita, do que sobre a participação do povo na vida pública, de sorte tal que o máximo de democracia se confunde com o máximo de participação. Participar é tomar parte, é provar-se a si mesmo como parte de um conjunto ou de um todo e assumir o papel activo que resulta desta pertença. “A participação – dizia René Capitant – é o acto individual do cidadão que o faz como membro da colectividade popular”. Vemos, através disto, como as noções de pertença, cidadania e democracia se encontram ligadas. A participação sanciona a cidadania que resulta da pertença. A pertença justifica a cidadania que permite a participação.

Conhecemos o bordão republicano francês: “Liberdade, igualdade, fraternidade”. Se as democracias liberais exploraram a palavra “liberdade”; se os antigos democratas populares se relacionaram com a “igualdade”; a democracia orgânica ou participativa, fundada na cidadania activa e na soberania do povo, bem poderia ser o melhor meio para responder ao imperativo de “fraternidade”.

Alain de Benoist
("Roubado" DAQUI, com adaptação da tradução brasileira, por opção de recusa consciente do novo acordo ortográfico) 

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Democracia Representativa

A democracia representativa, de essência liberal e burguesa, na qual os representantes, através da eleição, estão autorizados a transformar a vontade popular em actos de governo constitui, no momento actual, o regime político mais comummente expandido nos países ocidentais. Uma das consequências disto é o facto de termos o costume de considerar que democracia e representação são de certa forma, sinónimos. Contudo, a história das ideias demonstra que não é assim.
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A democracia é a forma de governo que responde ao princípio de identidade entre os governantes e os governados, isto é, da vontade popular e da lei. Tal identidade remete à igualdade substancial dos cidadãos, ou seja, ao facto de que todos são igualmente membros de uma mesma unidade política. Dizer que o povo é soberano não por essência, mas vocação, significa que é dele de onde procedem o poder público e as leis. Os governantes não podem ser mais do que agentes executivos, que devem conformar-se aos fins determinados pela vontade geral. O papel dos representantes deve estar reduzido ao máximo; o mandato representativo perde qualquer legitimidade desde o momento em que seus fins e projectos não correspondam à vontade geral.

Contudo, o que acontece hoje é exactamente o contrário. Nas democracias liberais, a supremacia está dada à representação e, mais especificamente, à representação-encarnação. O representante, longe de estar “comprometido” somente em expressar a vontade de seus eleitores, ele próprio encarna dita vontade de fazer somente aquilo para o que foi eleito. Isto quer dizer que encontra em sua eleição a justificativa que lhe permite actuar, não tanto segundo a vontade daqueles que o elegeram, mas segundo sua própria – em outras palavras, se considera autorizado pelo voto a fazer aquilo que considere bom.

Este sistema está na origem das críticas que não deixaram, no passado, de estar dirigidas contra o parlamentarismo; criticas que reaparecem hoje através dos debates sobre o “déficit democrático” e a “crise da representação”.


Alain de Benoist
("roubado" DAQUI)

sábado, 24 de setembro de 2011

Romper Com A Mentalidade Dominante


"Por nossa ação audaciosa nós rompemos com a mentalidade dominante desse século e do mundo. Nós matamos em nós um mundo de modo a construir outro, um mundo superior estendendo-se até os céus. A soberania absoluta do dinheiro é quebrada para ser substituída pelo poder do espírito e dos valores morais. Nós não negamos, e não negaremos a necessidade do material no mundo, mas negamos e sempre negaremos o seu direito à preeminência."

(Corneliu Zelea Codreanu)

HÁ 200 ANOS...

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Nós Também Queremos Ser Beneméritos!

Constou, aqui por casa, que, há uns tempos, um Alfenense de Gema tomou súbita consciência dos seus deveres de cidadania e, entrando de rompante na Junta informou estar na disposição de oferecer - i.e. dar (como oferta) -uma área de terreno a retirar de uma propriedade rústica que possui, e que se destinaria à edificação do Centro de Saúde.

O acto foi, obviamente, uma surpresa para os autarcas presentes, já desesperados pela ausência de gestos deste tipo por parte da ingrata população que os tinha elegido. E isto porque uma coisa é pôr o "votinho" na urna e outra, muito mais perturbante, é abrir os cordões à bolsa e ser benemérito.

A verdade, porém, é que o nosso recém-conscencializado Alfenense ali estava a oferecer - i.e. dar (como oferta) - o terreno capaz de resolver a questão da Unidade de Saúde, que há vários anos, se arrastava. Caía dos céus, aquela oferta - i.e. dádiva, cedência - e o Assessor Para Os Imóveis, esfregando as mãos de contente, ponderava já as vantagens económicas - para si e para quem mais merecesse - deste generosíssimo acto.

Certamente escoltado como preciosidade rara, lá seguiram todos para os Paços do Concelho onde um subserviente Arquitecto terá aplaudido a decisão - não só para exaltação do seu ego, mas, sobretudo, para agradar à sua hierarquia.

Não sabemos quem - ou sequer se todos - terá sugerido uma pequena compensação para tamanha generosidade. Coisa pouca, obviamente, sem significado, certamente, como, mais tarde explicaria brilhantemente o Autarca Putativo Presidente. Que não, argumentava o Benemérito, que nada mais fazia do que ressarcir-se de anteriores esquecimentos e que, por isso, não aceitaria, em troca de uma tão simples e insignificante oferta - i.e. dádiva -, o que quer que fosse!

Não concordaram os autarcas e respectivos Assessores. Pelo menos, se dignasse, o Benemérito, aceitar que, a expensas dos Paços, lhe fosse ofertado - i.e. dado (como oferta) - a construção dos acessos e o alvará de loteamento. Coisa pouca, também, obviamente, não mais do que uma meia dúzia de lotezinhos. Magnânimo, o Benemérito, aceitou com a modéstia que o caracteriza.

Apressaram-se, o Arquitecto a desenhar, o Autarca Putativo Presidente a preparar proposta devidamente fundamentada e o Jurisconsulto a dar parecer positivo (aliás, nunca dera nenhum negativo) - não fosse o diabo tecê-las - para logo que possivel, na reunião dos Paços, ser a mesma submetida a votação e aprovada. Como, de facto, veio a ser.

Há quem diga que o Benemérito se fartou de rir (baixinho) pela maneira como levou à pincha aquela súcia, aproveitando sàbiamente a incontrolável obsessão do Autarca Putativo Presidente em querer deixar de ser putativo. Pela nossa parte, não acreditamos em tal descortesia, preferindo crer antes na generosidade dos edis e Assessores. Consta mesmo que, por aqueles Paços foi (tem sido...,é...) frequente a generosa retribuição, em paga de ofertas - i.e. dádivas - vagas, ténues e inconsistentes. Não acreditamos! Invejosos, com certeza!

Não sabemos, cá por casa, o que haverá, de verdadeiramente verdadeiro em toda esta história que nos contaram. De qualquer maneira, já agora, para além de forte conscencialização dos deveres de cidadania, também temos um terrenito, coisa pequena, embora! Como havemos de fazer para oferecê-lo - i.e. dá-lo (como oferta) - de modo a que a súcia no-lo agradeça como ao Benemérito? Entrar, sem mais aquelas, pela Junta dentro? Publicar um anúncio no "Correio" ou no "Jornal Novo"? Arranjar quem assessorie a questão? Cumprimentar o Putativo Presidente? Alguém nos quererá dizer como? Que raio! NÓS TAMBÉM QUEREMOS SER BENEMÉRITOS!
  

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Teoria do Município, de António Sardinha

Para o Congresso Nacional Municipalista do Porto em 1924, que não chegou a realizar-se, escreveu António Sardinha, então Presidente da Câmara Municipal de Elvas, as teses seguintes:

1ª Tese

O Município não é uma criação legal. Anterior ao Estado, é preciso defini-lo e tê-lo como organismo natural e histórico.

2ª Tese

A descentralização administrativa não é, por isso, suficiente para resolver o problema municipalista.

3ª Tese

Órgão da vida local, inteiramente extinta, mas que é preciso ressuscitar para que haja vida nacional consistente e intensa, o Município deve ser restaurado nos termos em que vicejaria hoje o velho e tradicional município mediévico, se o seu desenvolvimento não tivesse sido estrangulado por factores de sobejo conhecidos.

4ª Tese

Essa restauração do nosso antigo Município equivale a considerá-lo não como uma simples função administrativa, mas como um centro de vida própria, espécie de unidade orgânica, abrangendo todas as relações e interesses dos seus convizinhos, desde o ponto de vista familiar e económico até ao ponto de vista cultural e espiritual.

5ª Tese

Restaurado em tais condições, o Município, simultaneamente suporte e descongestionador do Estado, contribuirá para atenuar a crise mortal que este atravessa, vítima do centralismo excessivo que o depaupera e abastarda.

6ª Tese

Como, em harmonia com o meio físico e a sua estrutura económica específica, os Municípios se não podem reduzir a um tipo único, – e esse é o erro da legislação herdada da revolução francesa – os Municípios poderão e deverão classificar-se segundo as características que lhe imprimam personalidade em MUNICÍPIOS RURAIS, MUNICÍPIOS INDUSTRIAIS, MUNICÍPIOS MARÍTIMOS, etc., havendo que admitir o MUNICÍPIOS-CIDADE, para os grandes centros urbanos.

7ª Tese

A classificação dos municípios, requerida por eles, importa consigo uma lei orgânica própria, – ou foral –, que o Município redigirá, entrando em vigor desde que receba a sanção do poder central.

8ª Tese

E como, na tendência crescente para a substituição do “indivíduo” pelo “grupo”, é preciso constranger o sufrágio a aceitar novos moldes, a constituição das câmaras municipais deverá sair, em número igual, de vereadores eleitos directamente e de representantes ou delegados das associações e sindicatos existentes na área de concelho.

9ª Tese

Na eleição municipal terão voto, além dos cidadãos em pleno exercício desse direito, as mulheres viúvas com lar constituído.

10ª Tese

Revogar-se-ão, com critério prudente, as leis de desamortização no tocante aos Municípios, podendo estes adquirir terrenos para aforar nos termos do “casal de família”, – regímen a que igualmente poderão ficar sujeitos os baldios ainda existentes.


11ª Tese

Para semelhante fim necessitam os Municípios ser autorizados ao lançamento de um tributo ou imposto especial sobre os proprietários absentistas.

12ª Tese

Dentro dos Municípios e onde houver Misericórdias, a estas admiráveis e tão portuguesas instituições deverão pertencer as funções de assistência pública, como base local e consequentemente descentralizada, cabendo às câmaras municipais dispensar o apoio e auxílio de que as Misericórdias careçam para bem cumprirem a sua augusta missão.

13ª Tese

Poderão os Municípios federar-se constituindo “regiões” em substituição dos “distritos” – decalque da legislação francesa, sem realidade geográfica nem justificação tradicional.

14ª Tese

Aos Municípios que pela sua pequenez ou insuficiência financeira não seja possível existência autónoma, permitir-se-á também que se federem com outros, mas sem a perda da sua personalidade.

15ª Tese

A instrução primária deve ser de base técnica e regional.

16ª Tese

É imperioso restaurar as Províncias, dotando-as de órgãos próprios e adequados.

In À Sombra dos Pórticos