terça-feira, 15 de novembro de 2011

Guerras de Alecrim e Manjerona

Estalou o verniz nas relações da nossa Junta com a Câmara. Os nossos edis publicaram a "declaração de guerra" no sítio, remeteram-na aos subscritores das "newsletters" (quando lhes interessa...enviam-nas!) e, segundo consta, fizeram uma generosa distribuição em formato papel.

O "casus belli" nesta guerra de alecrim e manjerona parece ter sido a utilização, por parte da Câmara Municipal de Valongo, do edifício pré-escolar de Cabeda, onde foi implantada uma Academia Sénior. Alegam, os nossos edis a duplicação das actividades, uma vez que já funciona, de sua iniciativa, uma Escola Sénior.

Outra "espinha encravada na garganta" é a utilização do espaço do Centro Cultural, acusando a Câmara de sobrepor "os seus interesses em detrimento dos interesses dos Alfenenses, prevalecendo, sempre, a sua programação no que toca à utilização do espaço e não a dos Alfenenses".

É fácil perceber a "dor de cotovelo" do nosso Executivo. A nossa Autarquia não quer, para além dela, ninguém no seu território. Inequivocamente, por razões "eleiçoeiras". De há bastante tempo que se lançou em projectos de cariz social que não passam de duplicação dos existentes no Centro Social e Paroquial de Alfena, em vez de estabelecer estratégias de colaboração com esta IPSS. A criação da AVA é paradigma desta linha de actuação. E agora queixam-se os nossos autarcas de serem feridos com o mesmo ferro com que feriram o CSPA.

Entretanto e a propósito, serão capazes, os nossos preclaros edis, de nos explicarem em que é que, mais esta Academia Sénior, prejudica os Alfenenses?

No que respeita ao Centro Cultural, também não vislumbramos onde a programação do seu uso pela Câmara se sobrepõe aos interesses dos Alfenenses. Em primeiro lugar, quais Alfenenses? A Junta? Os UPA? E quais interesses? Os da Junta? Os dos UPA? Em segundo lugar, um rápido percurso pelas "Notícias" constantes do sítio, permite apurar que, de Dezembro de 2010 até esta data, se ralizaram apenas 6 (SEIS) (em média, UM em cada DOIS meses) eventos nas instalações do Centro Cultural (área exterior incluida). Com tão fraco uso, não vemos qualquer razão para a queixa e, muito menos, para a acusação de "roubo".

Nos dias 3 e 25 do pretérito Outubro, no auditório do Centro Cultural, a Associação Coragem de Mudar levou a efeito duas sessões de discussão pública da alteração pontual do Plano Director Municipal de Valongo. O auditório foi cedido sem quaisquer entraves pela CMV. Será esta a "pulga" que morde atrás da orelha dos Unidos por Alfena?

Mais, sobre o assunto, AQUI e AQUI. Um excelente texto sobre o uso da Casa da Juventude pode ser lido AQUI.

J Silva Pereira

sábado, 12 de novembro de 2011

O Pensamento de António Sardinha

A Ordem Burguesa
Com a devida vénia a Legio Victrix
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Quem diz «democracia» diz «individualismo». Quem diz «individualismo» diz por sua vez «burguesia» e «capitalismo». Na pavorosa confusão mental de que a Europa é vitima há mais de um século, acredita-se ainda que a Revolução Francesa, porque proclamou os Imortais Princípios, abriu às classes pobres uma era nova de emancipação e prosperidade. Se a superstição liberalista não falasse tanto à sentimentalidade das massas, com certeza que não se teria ido tão longe num ludíbrio que encobre a maior das falsidades. Se hoje existe, e em grau tão agudo, urna questão irredutível entre o rico e o pobre, entre o que produz e o que consome, a culpa é precisamente da metafísica mentirosa da Revolução. A Revolução só deu acesso a arrivistas cobiçosos de oiro e de domínio, a quem faltava a preparação moral da antiga sociedade.


A antiga sociedade fundamentava-se no Sangue e no Trabalho, na Família e na Corporação. A Corporação e a Família eram assim as bases dum acordo permanente das classes, identificadas pelo seu interesse comum com o interesse próprio duma dinastia. Tudo se subverteu, porém, na hora em que pôde mais a oratória duma turba anónima de agitadores. E, de então para cá, correndo sempre atrás de uma miragem que nunca mais se alcança, os homens dividem-se furiosamente na demanda dessa fraternidade por que tanto suspiram, mas da qual cada vez se afastam mais.


Não há dúvida que nos achamos em frente de uma demorada e dolorosa crise. As reivindicações das camadas operárias crescem ameaçadoras, enegrecendo de apreensões o horizonte já carregado das incertezas mais sombrias. Apregoa-se, vai em século e meio, a soberania do povo e só descobrimos ocupando-lhe o lugar o capitalismo mais desaforado e mais omnipotente. É o oiro quem manda desbragadamente. Manda a agiotagem como nunca. Reina a bancocracia. Um feudalismo pior que o outro, visto não conhecer nenhuma limitação de natureza espiritual nem resultar das necessidades históricas de sociedade, - um feudalismo, pior que o outro, escraviza a produção nas suas tenazes de ferro, ao mesmo tempo que entoa a ária estafada dos chamados Direitos do Homem.
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António Sardinha

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

O Guerreiro e a Cidade


Com a devida vénia a Legio Victrix

Em 1814, ao final das guerras Napoleônicas, Benjamin Constant escreveu com alívio: “Nós chegamos à era do comércio, à era que deve necessariamente substituir a da guerra, como a da guerra necessariamente tinha que precedê-la”. Ingênuo Benjamin! Ele tomou generalizada idéia de progresso indefinido, como promotora do advento da paz entre homens e nações.

A era do doce comércio substituindo a da guerra... Nós sabemos o que o futuro tem feito de tal profecia! A era do comércio certamente se impôs, mas por múltiplas guerras. Sob a influência do comércio, ciência e indústria – em outras palavras, o “progresso” – as guerras até mesmo tomaram proporções monstruosas, que ninguém poderia ter imaginado.

Havia, contudo, alguma verdade na falsa previsão de Benjamin Constant. Se as guerras continuaram e até mesmo prosperaram, por outro lado, a figura do guerreiro perdeu seu prestigio social em benefício da dúbia figura do comerciante. Esta é a nova era na qual nós ainda vivemos, mesmo que temporariamente.

A figura do guerreiro foi destronada e a instituição militar ainda tem resistido mais do que qualquer outra na Europa após 1814. Ela tem resistido desde o tempo da Ilíada – trinta séculos – enquanto que se transformando, se adaptando a todas as mudanças de épocas, sociedades e regimes políticos, mas ainda preservando sua essência, que é a religião do orgulho, dever e coragem. Esta permanência na mudança é comparável somente àquela de outra instituição imponente, a Igreja (ou igrejas). O leitor pode estar chocado. Uma comparação surpreendente! E ainda...

O que é o exército desde a Antiguidade? É uma instituição quasi-religiosa, com sua própria história, heróis, guerras e ritos. Uma instituição muito antiga, ainda mais antiga que a Igreja, nascida de uma necessidade tão antiga quanto a humanidade e que está longe de cessar. Entre os Europeus, nasceu de um espírito que é específico a eles e que – diferentemente da tradição Chinesa, por exemplo – faz da guerra um valor em si. Em outras palavras, nasceu de uma religião cívica decorrente da guerra, cuja essência, em uma palavra, é a admiração pela coragem em face da morte.

Esta religião pode ser definida como aquela da cidade no sentido Grego ou Romano do mundo. Em linguagem moderna, é uma religião da pátria, grande ou pequena. Como Heitor aponta 30 séculos atrás no Livro XII da Ilíada, para desviar um mau presságio: “Não é por um bom resultado que lutamos, nós lutamos por nossa pátria” (XII, 243). Coragem e pátria estão conectadas. Na última batalha da guerra de Tróia, sentindo-se sitiado e condenado, o mesmo Heitor cai em lagrimas com um grito de desespero: “Oh bem! Não, eu não pretendo morrer sem lutar, não sem glória e nem sem uma grande façanha que seja recontada pelo homem em tempos vindouros” (XXII, 304-305). Pode-se encontrar este grito de orgulho trágico em todas as épocas da história em que se glorifique o herói mal-fadado, engrandecido por uma derrota épica: Termópilas, a Canção de Roland, Camerone, ou Dien Bien Phu.

Cronologicamente, a instituição guerreira precede a do estado. Rômulo e seus companheiros de guerra primeiro traçaram os limites futuros da Cidade e estabeleceram sua lei inflexível. Por tê-la transcendido, Remo foi sacrificado por seu irmão. Então, e somente então, os fundadores tomam as mulheres Sabinas para garantir sua descendência. Na fundação do estado Europeu, a ordem de guerreiros livres precede àquela das famílias. É por isto Platão viu em Esparta um modelo mais completo de cidade grega do que o de Atenas [1].

Por mais fracos que possam ser os exércitos Europeus de hoje, eles constituem ilhas de ordem em um ambiente que desmorona, onde estados fictícios promovem o caos. Mesmo que diminuído, um exército permanece uma instituição baseada em uma forte disciplina e participante na disciplina cívica. É por isso que esta instituição carrega consigo uma semente genética de restauração, não pela toma de poder ou militarização da sociedade, mas pela reafirmação da primazia da ordem sobre a desordem. É o que as guildas de espada fizeram após a desintegração do Império Romano e muitos outros após isto.
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Dominique Venner

[1] Em Les métamorphoses de la cité, essai sur la dynamique de l’Occident (Paris: Flammarion, 2010), baseado na leitura de Homero, Pierre Manent evidencia o papel das aristocracias guerreiras na fundação da cidade antiga.