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Todos estes factores chamam-nos a refazer profundamente as práticas democráticas que unicamente podem ser operadas em direcção a uma verdadeira democracia participativa. Numa sociedade que tende a tornar-se cada vez mais “ilegível”, isto tem como principal vantagem eliminar ou corrigir as distorções devidas à representação, assegurar uma maior conformidade com a lei e com a vontade geral, e ser fundadora de uma legitimidade sem a qual a legalidade institucional não é mais que um simulacro.
Todos estes factores chamam-nos a refazer profundamente as práticas democráticas que unicamente podem ser operadas em direcção a uma verdadeira democracia participativa. Numa sociedade que tende a tornar-se cada vez mais “ilegível”, isto tem como principal vantagem eliminar ou corrigir as distorções devidas à representação, assegurar uma maior conformidade com a lei e com a vontade geral, e ser fundadora de uma legitimidade sem a qual a legalidade institucional não é mais que um simulacro.
Não é ao nível das grandes instituições colectivas (partidos, sindicatos, igrejas, exército, escolas, etc.) – que hoje se encontram todas, em maior ou menor medida, em crise e que não podem desempenhar, desta forma, seu papel tradicional de integração e de intermediação social – que será possível recriar a dita cidadania activa. O controle do poder não pode ser, tão-pouco, património exclusivo dos partidos políticos, cuja actividade, frequentemente, se torna clientelismo. A democracia participativa não pode ser, hoje em dia, mais do que uma democracia de base.
A dita democracia de base não tem por finalidade generalizar a discussão a todos os níveis, mas determinar, com a participação do maior número, os novos procedimentos de decisão conformes com suas próprias exigências, como as que derivam das aspirações dos cidadãos. Tão-pouco poderia tornar-se uma simples oposição entre a “sociedade civil” e a esfera pública, o que estenderia ainda mais o domínio do privado e abandonaria a iniciativa política às formas obsoletas de poder. Trata-se, ao contrário, de permitir aos indivíduos que se ponham a prova, enquanto cidadãos, e não como membros da esfera privada, favorecendo ainda mais que se torne possível a eclosão e a multiplicação de novos espaços e a iniciativa e responsabilidade públicas.
O procedimento do referendo (que resulta da decisão dos governos ou da iniciativa popular, seja o referendo facultativo ou obrigatório) é somente uma forma de democracia dentre outras – e cujo alcance talvez se tenha super-estimado. Assinalemos, de uma vez, que o principio político da democracia não é o de que a maioria decida, mas que o povo é soberano. O voto não é por si mesmo, mais do que um meio técnico para consultar e revelar a opinião. Isto significa que a democracia é um princípio político que não poderia confundir-se com os meios dos quais se utiliza e que tão-pouco poderia ser produto de uma ideia puramente aritmética ou quantitativa. A qualidade de cidadão não se esgota no voto. Consiste, melhor, em colocar em prática todos os métodos que lhe permitam manifestar ou rechaçar o consentimento, expressar o seu repúdio ou a sua aprovação. Convém, assim, explorar sistematicamente todas as formas possíveis de participação activa da vida pública, que são também formas de responsabilidade e de autonomia por si, já que a vida pública condiciona a existência quotidiana de todos.
Mas a democracia participativa não possui, somente, um alcance político; tem também um social. Ao favorecer as relações de reciprocidade, ao permitir a recriação de um laço social, podem-se reconstituir as solidariedades orgânicas, debitadas hoje em dia, refazer um tecido social desagregado pelo advento do individualismo e a saída antecipada ao sistema da competição e do interesse. Em tanto quanto produtora da sociedade elementar, a democracia participativa anda de mãos dadas com o renascimento das comunidades vivas, da recriação das solidariedades de vizinhança, de bairro, dos locais de trabalho, etc..
Esta concepção participativa da democracia opõe-se, claramente, à legitimação liberal da apatia política, que indirectamente encoraja a abstenção e acaba por ser um reino de gestores, de especialistas e de técnicos. A democracia, afinal de contas, descansa menos sobre a forma de governo propriamente dita, do que sobre a participação do povo na vida pública, de sorte tal que o máximo de democracia se confunde com o máximo de participação. Participar é tomar parte, é provar-se a si mesmo como parte de um conjunto ou de um todo e assumir o papel activo que resulta desta pertença. “A participação – dizia René Capitant – é o acto individual do cidadão que o faz como membro da colectividade popular”. Vemos, através disto, como as noções de pertença, cidadania e democracia se encontram ligadas. A participação sanciona a cidadania que resulta da pertença. A pertença justifica a cidadania que permite a participação.
Conhecemos o bordão republicano francês: “Liberdade, igualdade, fraternidade”. Se as democracias liberais exploraram a palavra “liberdade”; se os antigos democratas populares se relacionaram com a “igualdade”; a democracia orgânica ou participativa, fundada na cidadania activa e na soberania do povo, bem poderia ser o melhor meio para responder ao imperativo de “fraternidade”.
Alain de Benoist
("Roubado" DAQUI, com adaptação da tradução brasileira, por opção de recusa consciente do novo acordo ortográfico)
Alain de Benoist
("Roubado" DAQUI, com adaptação da tradução brasileira, por opção de recusa consciente do novo acordo ortográfico)